UMA DOR QUE CRAVO
NO CORAÇÃO
Um espectáculo sobre o 25 de Abril nos seus 50 anos – como para que a Comissão da respectiva Comissão e o Ministro da Cultura convidaram as estruturas tidas como matriciais para o teatro em Democracia a fazer – não pode ser uma mera evocação. Há-de ser também um alerta para se manter o que dele é possível salvar, quando as ameaças mundiais à própria Democracia recrudescem dia após dia.
Na minha juventude de 20 anos acabados de fazer, o dia 25 de Abril de 1974 e os que se lhe seguiram foram, como para milhões de portugueses, aquele momento em que o impossível parecia possível. Tal como hoje parece impossível que seja possível aquilo de que já se deu nota: a ameaça de novos fascismos, desta feita por via eleitoral. E aqui começa o primeiro problema para o criador da obra. É que antes, durante a ditadura, era motivador lutar pela Liberdade, uma vez que o povo está interdito de se pronunciar e, assim, acreditar que era em seu nome – e, depois, com ele – que a luta tinha sentido. E foi, de facto, assim. Mas hoje não tenho como olhar para novas forças que não impliquem a recusa de uma estupidez e ignorância massificadas, já não provocadas por ‘malignos terceiros’, mas em autogestão e hereditariedade das próprias massas.
Isto – mais o pessimismo com que olho o desconcerto do Mundo – não me impediu, todavia, de à resistência de outrora, com o sentimento de inutilidade hoje, sobrepor o sentido ético de respeito por mim mesmo, mas, sobretudo, por milhares, milhões, daqueles que em todo o Mundo, e de ideais diferentes, deram, literalmente, a vida pela Santa Liberdade triunfar ou perecer, como no Hino da Maria da Fonte. Triunfou, mas hoje perece.
O espectáculo termina com um crucificado, entre um sonho de que desacreditou (ou não conheceu) e o perfume da flor que de há muito que foi desfolhada e esmagada sob botas cardadas, já não de legiões armadas, mas da boçalidade e ‘burrificação’ generalizadas.
Sei-me Sísifo esmagado pela pedra a rolar encosta abaixo, mas quando retomo a subida já não alimento a esperança de que ela fique no alto do monte. Posso fingir, para ter forças, que vou conseguir, impulsionado por cem mil corações impotentes, como no canto de Luís Cília. O que não finjo é o dever ético de não prescindir de fazer de cada fio de vontade (…) uma alavanca, como no Hino dos Presos de Caxias. Afinal, perante esses heróis da minha infância, o que faço não passa de ‘serviços mínimos’ de honradez.
Quiçá, após a catástrofe a que estamos a chegar, ou miraculosamente no último instante, talvez, entre nós, renasça algum cravo, como nasceu, sob as cinzas da destruição cega, kyôchikutô em Hiroxima. Deus, às vezes, dá-nos prendas inesperadas.
Castro Guedes
Autor do Texto e da Encenação
PS: Aqui me despeço da Seiva Trupe, desejando-lhe a concretização dos caminhos que trilha, certo de que são diferentes dos meus e, provavelmente, bem mais conformes a um longo e reconhecido historial, de que só fiz parte muito no início e nestes últimos 6 anos.
Espectáculo resultante do convite directo, sem concurso, feito pelo anterior Ministro da Cultura e a Comissão para as Comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril às estruturas matriciais do pós-Abril.
SINOPSE
NÃO É O POVO QUE SALGA O MAR
É O MAR QUE SALGA A TERRA
É A TERRA QUE SALGA A VIDA
Era uma vez um país em que as águas foram conduzidas para afundar o istmo que lhe não permitia estar ‘orgulhosamente só’. E o mar saturado de sal matava qualquer aventura de o navegar para outras diferentes paragens. Lá longe, seres marinhos debatiam-se pela sua diferença. Pescadores eram enviados aos milhares, até que na ilha terão passado a viver somente a Avó, a Mãe e a Filha. Vigiadas por um Senhor Sinistro, enquanto elfos, fadas e outros seres de encantar eram colocados em grutas para impedir qualquer maravilhoso. As fontes e riachos e lagoas também estavam secos e a água era autorizada a conta-gotas. Secavam os corpos, secavam as almas. Até ter aparecido uma jovem de nome Abril. A festa foi muita, mas não tardaram a ‘chegar’ novas ameaças… Só um Coro muito forte pode, ou não, defender e recuperar os cânticos que essa jovem trouxe. Só verá, quem quiser ver… É para isso que público é convocado.
FICHA ARTÍSTICA
MAIS UMA PRODUÇÃO SEIVA TRUPE – TEATRO VIVO C.R.L
duração aproximada 135min, com intervalo de 10 min. M/14
texto, encenação e espaço cénico Jorge Castro Guedes assistência de encenação Carolina Cunha e Costa e Fernando André cenografia Rúben Ponto figurinos e apoio à cenografia Cláudia Ferreira apoio aos figurinos Sandra Salomé e Teresa Fonseca e Costa confeção de figurinos Ana Fernandes desenho de luz Rui Damas operação de luz e vídeo Diogo Teixeira e Fernando Coutinho sonoplastia e operação de som Fábio Ferreira operação de som Pedro Almeida interpretação Sandra Salomé; Jaime Monsanto; Teresa Fonseca e Costa; Mariana de São Pedro Lamego; Carolina Cunha e Costa; e Fernando André figuração Francisca Reis Vieira direção de produção Fernando André direção de cena e produção Francisca Reis Vieira assistência de produção Filomena Rodrigues fotografia e vídeo André Delhaye & Serge Bochnakian design Dotgraf
AGRADECIMENTOS
Apuro – Associação Cultural e Filantrópica; AudioRent; Auto Mercado do Marques; Companhia Teatral Pé de Vento; Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE); Frutaria Maçã d´Ouro; Fundação Casa da Música; Ludite Frutarias; Na2F-Apoio Às Empresas, Lda.
DIRECÇÃO DA COOPERATIVA
TÉCNICA E REDES SOCIAIS JÚLIO FILIPE
GESTÃO ADMINISTRATIVA MARTA TAVARES
FUNDADORES DA SEIVA TRUPE
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